segunda-feira, 12 de março de 2012

Rota tropeira, comida caipira.

Há dois fins de semana vieram alguns amigos me visitar. Seus sobrenomes revelam a diversidade de gentes que povoaram esta terra chamada Brasil: Mussato (italiano), Amorim (português), Santuchi (italiano), Demmer (alemão), Schmidt (alemão), Xavier (português), Portela, (português), além dos meus Barbosa e Silva (ambos portugueses).

Esta diversidade se manifesta também na culinária. Pratos das mais diversas origens, com ingredientes de cá e d'além mar.

Para estes amigos de sobrenomes tão diversos, de famílias que vieram de lugares tão distantes, cozinhei dois dos pratos brasileiros que mais gosto: a galinhada e o feijão tropeiro.

Ambos tem origem mais ou menos na mesma época em que se formava uma primeira noção de brasilidade: com a descoberta de minas de ouro no centro-sul do que hoje é o Brasil, os lusófonos de toda a América do Sul afluiam para estas zonas, basicamente o centro de Minas Gerais

No final de 1750, quando Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, entrava nos seus vinte anos, Minas Gerais era o centro do Brasil. Mais ainda, Minas Gerais estava inventando o Brasil e os brasileiros, um país e um povo que até então não tinham conhecimento de sua própria existência. Vinte anos mais tarde, duas gerações já haviam tido consciência da nova realidade geográfica e cultural. Atraídos pelo ímã do ouro, os criadores dos confins gaúchos, os paulistas, os fluminenses, os baianos, os pernambucanos, os sertanejos do São Francisco, os curraleiros do Maranhão afluíam para Minas. Toda essa gente de fala portuguesa até então dispersa pela América do Sul mal tinha notícia uma da outra e, sobretudo, nunca se tinha visto junto. (ALENCASTRO apud COUTO, 2001, P. 36)

Este contato, além de fomentar a ideia de Brasil e sedimentar um ideal de independência, promoveu intercâmbios entre as diversas regiões, antes isoladas. Mercadorias, pessoas, mas também cultura, circulava pelo território no lombo de mulas e cavalos.

Um exemplo eram as rotas tropeiras que ligavam as áreas produtoras de alimentos ao centro consumidor, que eram as zonas mineradoras. O gado cultivado no pampa era abatido, seco, e levado para alimentar garimpeiros e burocratas. 

Ainda após a decadência da mineração, tais rotas continuaram a funcionar, com intensidades diferentes, com rotas diferentes. A dispersão da população do centro minerador também tratou de espalhar os conhecimentos e hábitos ali desenvolvidos a partir da combinação de saberes dos quatro cantos da América Lusófona - hoje Brasil.

O primeiro prato, o feijão tropeiro, supõe-se ser um dos pratos que estes homens que rasgavam o Brasil nas tropas de mulas. Seus ingredientes, a maioria secos, desidratados ou pouco perecíveis, permitiam que fossem levados a todo canto, tornando-o um prato versátil.

Para fazê-lo, cozinhei feijão carioquinha na pressão por pouco mais de meia hora. Cozinhei um quilo de feijão em pouco mais de dois litros de água e um pouco de sal, pra já dar um sabor nos grãos. O feijão carioquinha é o mais tradicional na confecção desse prato tão comum no centro-sul brasileiro. Curiosamente, após cozido, apresenta a mesma cor que a terra vermelha e fértil do Triângulo Mineiro, de Goiás, do Norte Paranaense, do Oeste Paulista.... Pois bem... constatei que aquele quilo de feijão era muito e usei apenas metade - já convertida em mais peso.

Em paralelo, piquei uma boa peça de bacon - usei bacon extra-lombo, com mais carne e menos gordura; dois gomos de linguiça calabreza (Esta merece um destaque, pois apesar do nome italiano, é bem brasileira: fora criada a partir da adição da pimenta calabresa em embutidos pelos imigrantes italianos. Ainda que surgida depois do feijão tropeiro, foi prontamente integrada às receitas de família.), mais algumas linguiças fininhas, cujo nome não me lembro. Como o bacon era "light", usei um pouco de azeite de oliva para fritá-las.
Fica a critério do freguês usar ou não a gordura que sobra. Como era bem pouca, deixei. Ao fim da fritura/ refogado, adicionei cebola e alho picados até que estivessem dourados. 

A esta mistura, adicionei os grãos de feijão, seis ovos cozidos picados, uns 200 gramas de farinha de mandioca (na verdade usei farofa temperada), e umas três folhas de couve picadas, um punhadinho de pimenta calabreza pra dar sabor. Sal? Para quê? O feijão já continha um pouco, as carnes e a farinha também. De lamber os beiços!

(Meu tropeiro não levou torresmo, mas fica bonito quando coloca uns pedaços bem bonitos de torresmo em cima na hora de servir!)

Se tivesse só feijão, já ficava feliz! Mas acho que meus convidados mereciam comer uma bela galinhada. Tão caipira quanto o feijão tropeiro, é um prato simples que leva, basicamente, a penosa, arroz e os temperos do agrado do freguês. Em Goiás colocam Pequi. Outros colocam açafrão-da-terra. Eu prefiro mais simples, sem pequi e sem açafrão (Safrão, no dialeto caipira).


Acende o fogo, espicha o frango e tira as pena
P'ra galinhada essa panela tá pequena!
(...)
A gente come, a gente dança a noite inteira
A galinhada é de primeira e todo mundo pede mais!



Ralei duas cebolas e coloquei em azeite bem quente. Pouco azeite, só o suficiente para dourar a cebola. Quanto mais dourada a cebola, mais bonita a galinhada, tomando-se o devido cuidado para não queimar! Dourada a cebola, acrescenta-se água. Como era muita gente, coloquei mais de um litro de água e comecei a adicionar os temperos: salsinha, cebolinha, pimenta preta, pimenta calabresa, sal, alho já frito. Nesse caldo já saboroso, cozinha-se a galinha. Tradicionalmente um frango caipira morto na hora, mas usei um quilo de filezinho sassami mesmo. 

Frango cozido, foi desfiado e devolvido ao caldo temperado. A esse caldo, adicionei arroz (normalmente usa-se arroz branco, mas usei arroz integral, e não alterou o sabor!), cenoura ralada e milho para dar uma corzinha, e deixei cozinhar até o ponto ideal. Para servir, um pouco de cheiro verde em cima.

Para acompanhar esse almoço ~leve~, fiz um acompanhamento tradicional: tomate a vinagrete. Tomates picadinhos, temperados com cebola ralada, sal, pimenta, cheiro-verde e vinagre. Mas como eu não goto muito de vinagre, usei suco de limão no lugar. Um pé de alface, molho de limão, azeite, sal e ervas. Estava pronto o almoço de domingo.



Sílvio

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